Timor: a LIT contra a independência
(artigo da APSR, retirado de www.combate.info)
O debate nacional sobre a questão de Timor tem sido obscurecido, em alguma medida, por uma cortina de fumo. Referimo-nos à explicitação das posições de uma corrente minoritária, a Ruptura-FER, e da sua organização internacional, a LIT. Assinale-se que esta organização tem uma visão do que deve ser uma corrente internacional que é herdada de Zinoviev: uma Internacional é um partido que decide a orientação política de cada uma das suas secções, que lhe são subordinadas. Essa subordinação torna mais importante que se conheça sobre matérias sensíveis a opinião e a directiva da LIT, para se perceber como pensa e como age a Ruptura-FER. Essa opinião pode resumir-se numa escolha: recusar a independência de Timor-Leste.
Em 1999, quando a Fretilin ganhou esmagadoramente o referendo pela independência e, perante a chacina praticada pelas milícias pró-indonésias, apelou à presença da ONU para garantir o fim da ocupação militar estrangeira e a constituição do Estado independente, a LIT decidiu que só havia um caminho: acusar a Fretilin de capitulação perante o ?imperialismo? da ONU e apoiar as forças de resistência ?anti-imperialista?, que seriam nem mais nem menos do que as milícias Aitarak, dirigidas por Eurico Guterres (agora condenado a 10 anos de prisão na Indonésia por genocídio). Assim, a LIT escolheu apoiar as forças anti-independência. Nunca se arrependeu, nunca reconsiderou, nunca achou que o começo da constituição do Estado independente tivesse demonstrado o seu erro catastrófico.
Pelo contrário, persiste na mesma posição. Um número recente do ?Marxismo Vivo?, a revista teórica da LIT, insistia na argumentação:
?En Portugal, la LSR (la sección del SU en ese país [quer dizer o PSR, mas o teórico tem pouca informação]) y el Bloque de Izquierda de cual es parte, durante el conflicto del Timor Este ?exigían? a la ONU que mandara tropas a invadir ese país. Por su parte el PST del Timor, una organización que se reivindica trotskista, no se conformó con eso: una vez que las tropas invadieron se integró al gobierno provisorio montado porla ONU. Poco tiempo después su principal dirigente participó en una conferencia internacional organizada por el DSP de Australia y lejos de ser expulsado del plenario, fue recibido por los delegados de más de 50 organizaciones, que se reivindican marxistas revolucionarias, con una ovación.
Podríamos dar centenas de ejemplos más y en todos ellos veríamos el mismo problema: la mayoría de las organizaciones que formaban parte del marxismo revolucionario ha abandonado la lucha por la dictadura del proletariado, es decir la lucha por la revolución socialista y están profundamente adaptadas a los regímenes democráticos burgueses de sus respectivos países o caminan en esa dirección.
Este texto é prova de uma confusão absoluta. O PST timorense não é uma organização trotsquista. Tem origem num grupo de jovens radicalizados, com influência maoista e em transformação ideológica, agora com contactos predominantes com o DSP australiano (uma organização que coopera com a IVª Internacional mas que dela não faz parte). O PST nunca esteve no governo timorense: tem um deputado no parlamento e assume a sua política própria.
Mas o mais importante no texto é acusar o Bloco de Esquerda de ?exigir à ONU que mandasse tropas para invadir esse país?. Curiosamente, a Ruptura-FER nunca fez tal acusação ao Bloco e manteve-se calada, por vergonha desta posição e por não ter coragem em assumir a sua consequência explícita: o apoio a milícias fascistas e pró-indonésias. É sempre interessante que uma tal capitulação perante a direita seja disfarçada com a pretensão da defesa da ?ditadura do proletariado? e da revolução socialista.
Seria no entanto um problema meramente histórico, se não tivesse renascido agora com a recente crise timorense. O comunicado do Ruptura-FER sobre o assunto defendia os militares revoltosos e chegava a citar o major Alfredo Reinado, interpretando a revolta como a luta do povo mais pobre contra a clique corrompida pelo dinheiro do petróleo. Incapazes de perceber o que quer que seja da crise timorense ? nem os partidos, nem os protagonistas, nem a história ? essa posição alinhava com a banalização ou desconsideração do golpe de Estado promovido pelas forças pró-australianas, chefiadas por Ramos Horta e com o apoio de Xanana Gusmão, para destituir o governo de Alkatiri, que tinha feito frente aos interesses petrolíferos australianos. O interesse da Casa Branca no derrube deste governo é indesmentível, no contexto do reforço dos poderes regionais dos seus aliados e com a estratégia de criação de uma base militar australiana em território timorense.
É claro que uma corrente política se pode enganar. Mas deve aprender com a realidade. Só se aprende se se escolhe um caminho para a luta de classes: em Timor, o problema central é o da independência. É essa independência que está a ser destruída. É ela que deve ser defendida. Um país sem estrutura social moderna, sem classe operária, sem indústria, economicamente subordinado, terá sempre muita dificuldade em ser independente e em se desenvolver. Recusar a luta por esse desenvolvimento, mesmo que em nome da ?ditadura do proletariado?, é prova de insensatez e de capitulação.
Resposta da FER/Ruptura
A propósito de Timor e em resposta ao Combate e à APSR
A APSR MENTE PARA ESCONDER A SUA CAPITULAÇÃO E A DO BE AO IMPERIALISMO
1. O debate sobre Timor, reaberto com a polémica sobre a posição do Bloco de Esquerda de não se opor de forma clara e taxativa ao envio de militares da GNR para este país, em finais de Maio deste ano, é muito importante e suscita questões teóricas igualmente importantes para a esquerda. E que questões são essas? Várias: o papel da ONU e que posição devemos ter em relação a esta organização; e o apoio ou repúdio de intervenções militares mascaradas de ?humanitárias? e de ?ajuda aos povos?.
2. Antes de abordarmos estes tópicos é importante situarmos a reabertura da polémica sobre Timor. Ela recomeça quando o Ruptura/FER (www.rupturafer.org) posiciona-se, através de nota divulgada no seu site, datada de 28 de Maio de 2006, contra o envio das tropas da GNR a Timor. Nesta mesma nota, critica-se a posição do Partido Comunista Português e do Partido Socialista, que apoiaram esta iniciativa do governo Sócrates, mas também a direcção do Bloco de Esquerda, que, apesar de mostrar-se reticente, não a condenou frontalmente.
3. A guisa de resposta, o jornal da actual APSR, Combate, em sua edição on-line (http://combate.info), acusa o Ruptura-FER e a Liga Internacional dos Trabalhadores (LIT), de serem contra a independência de Timor. Para fundamentar esta tese, fazem várias calúnias: a de que a LIT teria apoiado as milícias Aitarak de Eurico Guterres, em 1999, e o Ruptura-FER apoiaria os militares que queriam derrubar o governo de Alkatiri. Desta forma, a APSR tenta evitar discutir o conteúdo da posição política defendida pelas duas organizações: a oposição às intervenções ?humanitárias? da ONU e a caracterização de que fazem parte de uma política imperialista; e a oposição ao envio da GNR a Timor. Neste artigo do Combate, a APSR ?esqueceu-se? de explicar de que forma o envio da GNR a Timor ? o móbil do reacender deste debate ? auxiliaria os timorenses na sua luta pela independência. Mas como todos sabemos que a GNR nunca teria esta função, a APSR não pôde ? e aí não se trata de esquecimento ? dizer a verdade: e a verdade é que ao não opor-se a que a polícia da ex-metrópole fosse enviada à ex-colónia e ao apoiar a política da Direcção do BE que ia no mesmo sentido, a APSR capitulou mais uma vez ao imperialismo, desta vez ao seu próprio imperialismo, o português.
AS MENTIRAS QUE ENCOBREM ? A CAPITULAÇÃO!
4. Afirma a APSR sobre as posições da LIT e do Ruptura/FER acerca do debate sobre Timor: ?Essa opinião pode resumir-se numa escolha: recusar a independência de Timor-Leste?. Onde a APSR fundamenta e fornece as provas desta acusação/conclusão? Em nenhum lado. Vejamos somente um excerto de um dos comunicados do Ruptura à época, distribuídos nas manifestações de rua, que desmentem tão descarada mentira:
?Agora que os nossos irmãos timorenses estão a pagar na carne os erros de uma acção diplomática (do governo português) que não exigiu a retirada prévia das forças indonésias ?como dizia Leandro Isaac, dirigente do CNRT (Conselho Nacional da Resistência Timorense) escondido algures em Dilí: ?Ofereceram-nos um referendo. E agora ofereceram-nos um inferno. Entregaram-nos nas mãos dos nossos próprios inimigos. ?-, agora que a vitória esmagadora no referendo dá redobrada legitimidade aos independentistas para lutar por todos os meios (?). Diante da inacção da ONU e da cumplicidade tácita dos norte-americanos, é preciso que os combatentes da resistência possam ter meios militares para defender a vida do seu povo num Timor Lorosae livre. TODOS PELA SAÍDA DAS TROPAS INDONÉSIAS! VIVA TIMOR LOROSAE INDEPENDENTE!?
Mas o comunicado da APSR vai mais longe. Não seria somente o Ruptura a ?pensar? e a ?agir? segundo as ?directivas? da LIT. A própria LIT ?recusaria? a independência de Timor. Perguntamos: será que a posição da LIT, nesta matéria, foi diferente da do Ruptura, conforme se infere da calúnia mais descarada inserta no comunicado que temos vindo a analisar? Vejamos, igualmente, um pequeno excerto do único comunicado do Secretariado Internacional da LIT editado, e veremos como a mentira tem pernas curtas:
? RECONHECIMENTO IMEDIATO DA INDEPENDÊNCIA DE TIMOR LOROSAE! GOVERNO DO CNRT E DAS ORGANIZAÇÕES OPERÁRIAS E POPULARES! FORA AS TROPAS DA ONU! QUE SAIAM OS ?CAPACETES AZUIS? E DEIXEM AS ARMAS À RESISTÊNCIA TIMORENSE! ABAIXO OS PLANOS DE RECOLONIZAÇÃO IMPERIALISTA! (?) Nós não aplaudimos a intervenção da ONU porque essa intervenção é parte do processo de recolonização imperialista, de controle político, económico e militar ao serviço do saque dos povos e da sobre-exploração dos trabalhadores, é a negação mesma do justo direito à independência do povo de Timor Lorosae e é um intento, como aconteceu no Kosovo, de legitimar as intervenções militares imperialistas em qualquer parte do mundo?.
Pode-se discutir da oportunidade no momento do apelo à saída imediata das tropas da ONU mas não se pode acusar esta organização (a LIT) de ?recusar a independência de Timor-Leste?.
5. Os nossos críticos sem qualquer prova sobre as acusações que nos dirigiam insistem nas calúnias. Vejamos, de novo, o comunicado da APSR: ?Em 1999, quando a Fretilin ganhou esmagadoramente o referendo pela independência e, perante a chacina praticada pelas milícias pró-indonésias, apelou à presença da ONU para garantir o fim da ocupação militar estrangeira e a constituição do Estado Independente, a LIT decidiu que só havia um caminho: acusar a Fretilin de capitulação perante o ?imperialismo? da ONU e apoiar as forças de resistência ?anti-imperialista?, que seriam nem mais nem menos do que as milícias Aitarak, dirigidas por Eurico Guterres. Assim, a LIT escolheu apoiar as forças anti-independência.?
Perguntamos: em que excerto da Declaração da LIT se pode retirar esta conclusão? A APSR fornece uma linha sequer de citação onde se comprove a injúria mais reles que se pode lançar a uma corrente política? Em nenhum lado. Por falta de acesso à documentação de 1999? De nenhum modo. Francisco Louçã, principal dirigente do PSR da época, dirigente destacadíssimo da actual APSR e notabilíssimo dirigente do BE, recebeu ?em mão?, por um dirigente do Ruptura/FER, um dossier com todos os documentos à época trocados entre o Ruptura /FER e a corrente internacional a que pertence. Não é estranho que o comunicado da APSR, em tom mesquinho, se refira a um dirigente da LIT, por se ter equivocado (?) na sigla (em vez de nomear PSR no artigo citado apareceu impresso LSR) como ?o teórico tem pouca informação?? E Francisco Louçã, teórico de créditos firmados e com ?muita informação na mão?, como é que ele próprio se auto-caracteriza por nunca citar uma só frase que fundamente a calúnia de acusar a LIT de apoio às milícias fascistas? Relembremos, a este respeito, o que dizia de facto a Declaração da LIT, pela APSR propositadamente ignorada, mas por nós já citada:
?Desde então a estratégia do CNRT com o seu máximo dirigente à frente, Xanana Gusmão, foi o acordo com o imperialismo, particularmente o português, uma política que se concretizou nos Acordos de Nova Yorque. Com essa orientação o CNRT reduziu a guerrilha à inacção, desautorizou as iniciativas espontâneas de auto-defesa armada desenvolvidas pela população, deixando o passo livre aos planos genocidas dos paramilitares indonésios. Em plena ofensiva genocida Xanana Gusmão declarava: ?eu sei que os soldados indonésios vão disparar sobre tudo e todos. Peço para que não reajam?. O dirigente do CNRT expressava assim não só mais confiança na ?comunidade internacional? que na heróica luta do seu povo, como o deixava mais indefesa frente à barbárie dos Aitarak. (?) RECONHECIEMNTO IMEDIATO E INCONDICIONAL DA INDEPENDÊNCIA DE TIMOR LOROSAE! JUÍZO E CASTIGO AOS ASSASSINOS!?.
Os nossos leitores podem retirar as suas próprias conclusões. Como se comprova não só nada temos que ver com a acusação que nos é dirigida como fica claro que a LIT exigia o reconhecimento imediato e incondicional da independência de Timor Lorosae bem como se exigia juízo e castigo aos assassinos.
6. Mas mais adiante, no texto da APSR, percebe-se porque nunca se fundamenta as acusações desbragadas: ?Mas o mais importante no texto é acusar o Bloco de Esquerda de ?exigir à ONU que mandasse tropas para invadir esse país?. Curiosamente, a Ruptura/FER nunca fez tal acusação ao Bloco e manteve-se calada, por vergonha desta posição e por não ter coragem em assumir a sua consequência explicita: o apoio a milícias fascistas e pró indonésias.? Paremos um minuto para pensar com cuidado. A conclusão dos nossos críticos é que só a defesa da ONU em Timor garantiria a independência e o fim das chacinas. Ou seja, quem não está com a ONU está com as milícias fascistas. Este é o raciocínio aristotélico do autor do comunicado da APSR. A é igual a A. A ONU é igual a independência em Timor e o não apoio ao envio das tropas da ONU é igual ao apoio a milícias fascistas. Interessante. Já tínhamos ouvido uma versão parecida em algum lugar, do género: ?quem não está connosco está com os terroristas? (a propósito dos atentados às torres gémeas). Aqui se confirma que afinal toda a polémica com o Ruptura/FER e com a LIT, acusando-as de serem contra a independência de Timor Lorosae e de, por tabela, serem supostamente favoráveis às milícias fascistas só servia, aqui sim, de verdadeira ?cortina de fumo? para o essencial: esconder que o PSR antes, a actual APSR agora, o Bloco de Esquerda e Francisco Louçã em consequência, passaram-se de ?armas e bagagens? para a esquerda pró ONU. Já o sabíamos. Uma esquerda politicamente correcta é aquela que defende uma orientação de reconhecimento de ?dois Estados na Palestina?, das virtudes da ONU em Timor em 1999 e é aquela, por fim, que tem ?dúvidas? mas não fortes objecções ao envio recente de militares da GNR para Timor. Esta é a razão profunda porque o Combate reinicia um ataque ao Ruptura/FER: desviar as atenções dos militantes da APSR e do Bloco e até o seu sentido crítico da verdadeira política de submetimento à ?modernidade?da nova esquerda que passa nos dias de hoje por reconstruir velhas políticas de conciliação do irreconciliável. A esquerda revolucionária a que o PSR pertenceu nunca esteve de acordo em defender intervenções militares imperialistas mesmo que mascaradas de ?humanitárias?.
7. O comunicado da APSR publicado no site do Combate acusava ainda o Ruptura /FER de subserviência internacional: ?Assinale-se que esta organização tem uma visão do que deve ser uma corrente internacional que é herdada de Zinoviev: uma internacional é um partido que decide a orientação política de cada uma das suas secções, que lhe são subordinadas.? Esta acusação pode ser devolvida à procedência com toda a propriedade. Com efeito, os factos políticos da época confirmaram que quem defendeu uma mesma orientação face aos acontecimentos em Timor, foram as organizações a que pertence o PSR (ou a actual APSR) e o seu dirigente Francisco Louçã em sintonia com o SU (Secretariado Unificado) da IV Internacional. Ambas as organizações foram a favor do apelo à intervenção da ONU e ao envio de tropas para Timor. O Zinovievismo afinal morava em casa. Na verdade até nos podemos dispensar de citar textos que confirmem esta tese visto que o comunicado da APSR, onde se relança o debate actual, declara taxativamente o apoio ?à presença da ONU? dado que era o apelo da Fretilin e que a simples acusação, por parte da LIT, de capitulação desta organização ao ?imperialismo? (as aspas estão no comunicado da APSR), ou seja, a recusa ao apelo da presença da ONU em Timor por parte do Ruptura ou da LIT significava ?apoiar as forças de resistência ?anti-imperialista?, que seriam nem mais nem menos do que as milícias Aitarak, dirigidas por Eurico Guterres (agora condenado a 10 anos de prisão na Indonésia por genocídio).? Ora uma atenta leitura dos textos da época trocados entre o Ruptura e a LIT confirmam o inverso: divergências pontuais. Enquanto a LIT, desde a primeira hora considerou para a agitação a palavra de ordem, ?fora as tropas da ONU? em Timor, o Ruptura defendeu:
?À Declaração da LIT, datada de 22 de Setembro de 1999, apresentamos as seguintes críticas: (?) 2.A declaração está centrada na exigência da retirada das tropas da ONU porque só considera a presença das tropas da INTERFET como um produto da política de recolonização imperialista. È verdade que a ONU em Timor vai aplicar a política do imperialismo, mas não nos parece correcto colocar como palavra de ordem a saída das recém chegadas tropas da INTERFET quando ainda se encontravam os 25000 militares indonésios a ocupar Timor Lorosae e que esse fosse o eixo central da nossa política??.
Em conclusão, o PSR e o SU à época foram a favor abertamente da intervenção do imperialismo (via ONU), com tropas em Timor, como se o objectivo da ONU não fosse garantir a transição de um Timor ocupado pela a Indonésia para um Timor integrado na economia de mercado sob a alçada do imperialismo local (Austrália), aliada dos EUA. Por seu lado, a LIT e o Ruptura defenderam as posições anti-imperialistas dignas de qualquer corrente revolucionária, recusando o unanimismo em torno das supostas ?intervenções humanitárias da ONU? (como se alguma vez houvesse uma ONU fora do controle dos EUA), ainda que tivéssemos tido divergências tácticas (normais) sobre o momento em que cada palavra de ordem devia ser defendida. Sobre Zinovievismo estamos conversados.
O COMUNICADO DO RUPTURA/FER (28 de Maio de 2006)
8. A polémica com a APSR não se resume ao passado recente, ainda que importante, mas renasce de facto sobre o processo político em Timor que esteve na origem do envio dos militares da GNR, sob orientação do governo Sócrates. Os nossos detractores julgam que aqui se confirmará toda a ignorância (?incapazes de perceber o que quer que seja?) dos dirigentes do Ruptura/FER sobre os últimos desenvolvimentos na ex-colónia portuguesa. O texto da APSR, de forma significativa, volta a não citar nada do que tenhamos realmente escrito e fecha do seguinte modo: ?O comunicado do Ruptura/FER defendia os militares revoltosos e chegava a citar o major Alfredo Reinado, interpretando a revolta como a luta do povo mais pobre contra a clique corrompida pelo dinheiro do petróleo. Incapazes de perceber o que quer que seja da crise timorense ? nem os partidos, nem os protagonistas, nem a história ? essa posição alinhava com a banalização ou desconsideração do golpe de Estado promovido pelas forças pró-australianas, chefiadas por Ramos Horta e com o apoio de Xanana Gusmão, para destituir o governo de Alkatiri, que tinha feito frente aos interesses petrolíferos australianos?. Existe alguma fundamentação, que não mera interpretação tendenciosa e mal intencionada do que escrevemos, na nova acusação que nos é feita? Nada de nada.
9. O que dizia, de facto, o comunicado do Ruptura/FER sobre alguns dos acontecimentos em Timor:
?Nos dias 28 e 29 de Abril, cerca de 2000 pessoas saíram às ruas de Díli em solidariedade aos 591 soldados ? cerca de 1/3 do total do contingente - que tinham sido expulsos das Falintil, as Forças Armadas de Timor-Leste. O afastamento fora determinado pelo primeiro-ministro Mari Alkatiri devido aos protestos por maus-tratos e discriminação no critério de promoções feitos por estes militares. Aos soldados afastados juntaram-se grupos de manifestantes, que, segundo as informações veiculadas pela imprensa, entraram em confronto com a polícia, atacaram edifícios e queimaram dezenas de casas. A manifestação foi violentamente reprimida por ordem de Alkatari, deixando um saldo de cinco mortos e 80 feridos.?
Todos estes factos existiram ou foram inventados por nós e pela imprensa? Para a APSR por detrás destes factos estava um ?golpe de Estado promovido pelas forças pró-australianas, chefiadas por Ramos Horta e com o apoio da Xanana Gusmão, para destituir o governo de Alkatiri, que tinha feito frente aos interesses petrolíferos australianos?. È bem possível que sim e do nosso comunicado não se pode inferir o contrário. Mas não está provado de forma clara que não houvesse descontentamento em vários sectores da população como consequência de o governo Alkatari ter que aplicar políticas restritivas devido à pouca margem de manobra financeira do Estado timorense, condicionadas pela rapina dos recursos naturais de Timor por parte da Austrália e demais potências imperialistas. A situação pode ser assim mais complexa. Alkatari ainda que indesejado pela Austrália pela exigências que colocava para uma renegociação da parte que cabe a Timor da extracção de petróleo nas suas águas internacionais, não deixou de aplicar um política constrangida por essas mesmas restrições. Os descontentamentos sociais mais a preparação de um golpe de Estado para apear Alkatiri do poder podem-se ter combinado. Mas cabe aqui perguntar: se o Ruptura/FER não ?percebe o que quer que seja da crise? e a APSR, inversa e doutamente tudo compreende dos acontecimentos, porque tiveram os dirigentes do Bloco (e da APSR) meras reticências em se opor de forma contundente ao envio de tropas da GNR para Timor? Certamente, que a APSR (e o Bloco que fez eco dessas posições) compreendia muito bem, que estas mesmas tropas, enviadas pelo governo Sócrates que não se preza por ser um actor desinteressado e desalinhado com as políticas imperiais, não iriam para o território para a ?defesa da segurança das populações?. Poder-se-ia objectar: a posição cautelosa e táctica do BE prende-se com as ilusões do povo português sobre estas intervenções que nos são apresentadas como auxiliares da ?segurança? das populações contra ?tumultos e violência?. Em última instância nem a APSR, nem Francisco Louçã, nem o Bloco de Esquerda poderiam ser acusados de apoiarem intervenções imperialistas. O problema é que o mais recente comunicado do Bloco de Esquerda (www. esquerda.net) confirma à saciedade que a posição inicial do BE, explicita e defendida publicamente por Louçã, era de real cobertura ao envio das tropas da GNR e não de mera táctica inteligente de quem tudo percebe e nunca se engana.
SAUDAMOS A EXIGÊNCIA DO BLOCO DE ESQUERDA DE REGRESSO DA GNR
10. Em primeiro lugar saudamos a exigência implícita do comunicado mais recente do BE, sobre a crise em Timor, onde se requer o regresso a casa dos militares da GNR. Em última instância esta posição, ainda que tardia, vai de encontro, à nossa orientação desde o início da abertura de novos conflitos em Timor: a GNR, como outras tropas estrangeiras nunca deveriam ter sido deslocadas para território timorense e quando o fazem respondem a estratégias de rapina por parte das potências imperialistas dos recursos naturais deste pequeno país. Mas o comunicado de imprensa do BE sobre Timor datado de 18 de Julho e publicado no site Esquerda deixa muito a desejar. Se conclui ? o que é positivo- pelo regresso da GNR a casa, não deixa de o justificar com maus argumentos. Com efeito, este comunicado do BE deixa mais claro, inclusive, porque a direcção do partido não se posicionou contra o envio da GNR logo quando Sócrates o anunciou. Porque estava a favor. O título do comunicado ? ?Bloco considera esgotadas as razões para a presença da GNR? ? é bastante elucidativo. Segundo a direcção do BE, havia razões para a GNR ir a Timor. E que razões eram essas? O comunicado responde: ?A presença de forças da GNR em Timor-Leste foi estabelecida na base de um acordo assinado entre o governo português e as forças representativas da soberania timorense, o Presidente Xanana Gusmão, o primeiro-ministro Alkatiri e o presidente do parlamento, Olo, e na estrita condição de responderem perante o conjunto destes representantes do Estado timorense. Por outro lado, a sua missão principal era actuar num contexto de defesa da segurança das populações contra ameaças de tumultos e violência?. E porque esgotaram-se as razões para a permanência da GNR? O comunicado também responde: ?É forçoso constatar que a condição institucional da missão se encontra prejudicada, dada a clarificação política entretanto operada em Timor-Leste. Com efeito, após a rebelião de tropas, a generalização de tumultos graves em Dili e a mobilização das forças que apoiaram o presidente Xanana Gusmão e o ministro Ramos Horta para o derrube do governo de Mari Alkatiri, a recente tomada de posse do novo governo presidido por Ramos Horta consuma, no plano político, a relação de forças criada pela presença militar australiana no terreno?; (...) ?A Austrália empenhou-se na substituição do governo Alkatiri e conseguiu-o com o apoio do seu principal aliado, Ramos Horta. Neste contexto, deixa de fazer sentido a presença da GNR em Timor-Leste. Não lhe compete envolver-se nas lutas políticas internas do país. Nem caucionar, com a sua presença, o nascimento de um novo protectorado?.
11. O que não faz sentido é o comunicado do BE. Se não compete à GNR ?envolver-se nas lutas políticas internas do país? agora que há ?clarificação política?, isto é, o golpe contra Alkatiri foi vitorioso, faria sentido antes, isto é, quando Alkatiri ainda estava no poder? Porquê? Porque as tropas da GNR apoiariam Alkatiri contra os golpistas? Porque razão a GNR não pode caucionar um novo protectorado, isto é, o protectorado dirigido por Camberra? Pelo facto de ser um protectorado ou pelo facto de o ?protector? ser a Austrália? Isso porque, no passado recente, a mesma GNR caucionou um outro protectorado, o liderado pela UNTAET. Ou a direcção do BE não considera que o poder instituído pela ONU em Timor em 1999 foi um protectorado? Timor só passa a ser protectorado agora com o governo de Ramos Horta? E, em 1999 com a Fretilin no poder sob a ?protecção? da UNTAET não seria o início da construção de um protectorado? Porquê? A direcção do BE só agora avança com a caracterização de que Timor se está a transformar num protectorado da ONU para esconder que antes foi a favor (do envio da UNTAET) que iniciou a construção do novo protectorado. Mas ainda há mais. O comunicado prossegue dizendo: ?A missão que determinou a presença da GNR encontra-se igualmente esgotada. Com efeito, a inexistência de violência contra as populações nas últimas semanas indica que os problemas de segurança estão provisoriamente contidos. A missão deve, portanto, terminar?. Isto significa que a direcção do BE acredita que o governo enviou a missão da GNR para proteger a população da violência?
12. Nós achamos que não. Consideramos que o governo de José Sócrates, assim como os governos anteriores, de António Guterres ou de Durão Barroso, só têm uma preocupação, que é a de tentar garantir os interesses dos investimentos capitalistas portugueses em Timor. Os interesses do grupo Delta, da Edinfor, da CGD, da Portugal Telecom ou da Fundação Oriente. O BE e a APSR parecem esquecer que Portugal é um país imperialista, débil, mas imperialista. Um país imperialista que disputa com outros, nomeadamente a Austrália, o poder de ditar (ou influenciar) a política ao governo timorense. É nesta disputa imperialista, cujo protagonismo cabe à Austrália, com o apoio dos EUA, mas em que estão envolvidos outros países, como a China e Portugal, que deve ser enquadrada a actual situação de Timor. Se, eventualmente, devemos apoiar as tentativas de governantes timorenses, como o fez Alkatiri, no sentido de buscar uma maior autonomia frente à ingerência australiana na exploração da riqueza petrolífera do país, isso não significa tomar partido do nosso próprio imperialismo, mesmo que as suas iniciativas ? como foi o caso recente do envio da GNR ? apareçam travestidas como ?ajudas humanitárias?, ?manutenção de paz? ou para impedir o ?massacre da população civil?. Foi com este discurso cínico, aliás, que a própria Austrália garantiu 60% dos efectivos da INTERFET (International Force for East Timor), cerca de 5 mil soldados num total de 8 mil, em 1999, força que controlou militarmente Timor até 2001, quando foi substituída pela ?Força de Paz? da ONU.
13. Assim, mesmo que o comunicado mais recente do Ruptura/FER (de 28 de Maio) se tenha equivocado em algo, no plano analítico e de interpretação, sobre o que estava a acontecer em Timor naqueles dias, acertou na política, isto é, ao exigir a retirada de todas as tropas estrangeiras desse país e ao opor-se frontalmente ao envio da GNR portuguesa. A contrário do Bloco de Esquerda, supondo que tudo compreendeu e em nada se equivocou, errou de forma consciente, na política ao não posicionar-se claramente contra o envio da polícia imperialista da ex-colónia.
14. Por fim, a questão da independência nacional. No seu texto, a APSR afirma que o problema fundamental de Timor é a luta pela independência. ?É essa independência que está a ser destruída. É ela que deve ser defendida. Um país sem estrutura social moderna, sem classe operária, sem indústria, economicamente subordinado, terá sempre muita dificuldade em ser independente e em se desenvolver. Recusar a luta por esse desenvolvimento, mesmo que em nome da ?ditadura do proletariado?, é prova de insensatez e de capitulação?, conclui o texto da APSR publicado no jornal Combate. A APSR tem razão em dizer que a luta pela independência nacional de Timor é uma tarefa essencial e muito difícil de ser alcançada, mas mostra que muito pouco guarda da sua antiga formação marxista-trotskista ao confiar em governos ou presidentes como Alkatiri ou Xanana. É impossível para um país semi-colonial como Timor conquistar e manter a sua independência real ? e não formal, como a que Timor conseguiu até agora ?, tanto política quanto económica, sem levar uma luta de morte contra o imperialismo, tanto australiano quanto português e mesmo contra a introdução da economia de mercado. A independência nacional de um país frágil como Timor só poderá ser conquistada no marco de uma luta comum com os trabalhadores da região, inclusive australianos, contra as suas burguesias. Os dirigentes de Timor, inclusive os da Fretilin, inclusive Alkatiri, têm adoptado uma via oposta: deixaram que as Falantil fossem desarmadas pela INTERFET, aceitaram que o país fosse dirigido pela ONU e acabaram por aceitar um acordo com a Austrália sobre a extracção e comercialização de petróleo e gás natural que ainda é extremamente negativo para Timor.
15. Consideramos que a luta pela independência nacional de Timor deve ser apoiada por todos os trabalhadores portugueses e pelas suas organizações; consideramos que qualquer acção que vá neste sentido deve ser apoiada, assim como deve ser repudiada qualquer medida que signifique um retrocesso frente a este objectivo. Este é o caso, sem dúvida nenhuma, da presença das tropas estrangeiras em Timor, tanto australianas quanto portuguesas. Neste sentido, devemos a exigir a imediata retirada dessas tropas e o retorno imediato da GNR de Timor.
16. Chegados ao fim, convém indagar porque a APSR retoma publicamente uma polémica, segundo as suas palavras, com uma força política minoritária. No plano da discussão política em aberto as razões são claras: encobrir que a APSR ao arrepio das tradições do velho PSR adoptou na actualidade as políticas muito em voga na ?esquerda moderna? de defesa da ONU como trincheira face ao Império (EUA). Mas este facto não explica tudo. O problema é mais profundo. O ódio ao Ruptura/FER tem outras explicações. O PSR (ou a APSR) está de facto a diluir-se politicamente no actual BE. O que quer isto dizer? Será uma simples diluição organizativa para impedir que funcionassem em paralelo com o Bloco de Esquerda, estruturas e esforços (duplicados) desnecessariamente? Não. É, de facto, mais do que isso. Estamos diante uma diluição teórica e programática de uma corrente revolucionária, o que está a gerar internamente resistências e divergências. A liderança do ex-PSR, diga-se em abono da verdade, adoptou sem oposição séria, o programa, o projecto e a política consensualizada na direcção do Bloco, de que ?maiorias sociais? conquistadas pelo voto e expressas por um grupo parlamentar maioritário poderá constituir um dia um governo anti neo-liberal. O ex-PSR abandonou o projecto de construir um partido revolucionário e de lutar por uma revolução social. Acredita piamente que o Bloco será a direcção dos trabalhadores na luta social pela construção do socialismo. O problema é que os seus militantes duvidam que isso se faça com o actual Bloco cada vez mais eleitoral do que uma força militante. Deste modo, a APSR tem que denegrir o mais que pode uma força política que se recusa a compartilhar este novo unanimismo em torno das delícias da ONU, da democracia, da cidadania, do envio da GNR para Timor ou da aceitação de redução de funcionários públicos no Estado segundo a tese do governo de que existem funcionários públicos a mais. Toda a campanha contra o Ruptura/FER tem que ser compreendida à luz de um combate mais vasto: a desistência de uma certa esquerda pela luta da esquerda revolucionária pela revolução social.
A CE do Ruptura/FER
Lisboa, 21 de Julho de 2006
Fonte/LITCI.org
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